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Meu Sonho Parasita - Parte 1: Boldor

<sexta-feira, 8 de março de 2013 

Meu Sonho Parasita é um projeto que eu tinha desde a época do Ensino Médio e decidi retomar / iniciar esse ano (embora a ideia tenha sofrido algumas alterações). Não vou apresentar uma sinopse; a princípio, assumam que estão lendo as notas de alguém que está registrando sua jornada para passar o tempo e se manter  firme e confiante. Estou postando no meu blog homônimo (sonhoparasita.blogspot.com) e também aqui no PUTZlog.

Espero que gostem e boa leitura.



Meu Sonho Parasita - Parte 1: Boldor

Maldita estação... odeio Outono.

Ainda é noite. Acordei a pouco e apenas a fogueira, já quase extinta, não me deixa congelar nesse lugar maldito. Essas semanas tem me tirado litros de suor durante o dia para mais tarde fazer meus ossos doerem durante a noite. Não fossem a pequena fogueira para me aquecer um pouco e minhas quase sempre diárias anotações para distrair os pensamentos, já teria deixado o pobre Boldor sozinho há tempos. Pobre animal! Essas noites também o castigam demais. Me sinto culpado por não deixá-lo dormir na barraca hoje, mas ele mereceu! Se não tivesse corrido atrás daquela lebre estupida, minhas anotações estariam comigo agora e não alimentando peixes no riacho que cruzamos na divisa do condado. Ele não é mais um filhotinho; tem que se comportar como um cão adulto... 

Me distraí observando Boldor tremer de frio e tive que pô-lo na cabana, pobre coitado. Desde que saímos de Tavilmor, ele é o mais próximo do que conhecia como família e... acho que ele pensa o mesmo de mim. Acho que já escrevi sobre nosso encontro inusitado, mas... gosto de lembrar daquele dia e, além do mais, graças a Boldor não há mais nenhuma das minhas anotações; posso escrever novamente sem me sentir repetitivo... na verdade, daquele dia a única recordação feliz foi encontrar Boldor.

Depois de tanto tempo vagando, já não consigo me lembrar com total exatidão quando foi aquele dia, mas me lembro dos campos de trigo, dourados como o sol, e dos pomares carregados de frutas; era Primavera. Tavilmor, minha pequena vila, lugar onde nasci, cresci e apanhei muito de minha mãe por roubar maçãs, ficava a leste de Boreah, capital de nosso condado. Era conhecida pelo famoso Festival da Torta de Outono. Todos os anos nossa pequena vila virava um formigueiro de pessoas querendo provar, comprar e participar do concurso de tortas. Diziam até que pessoas da realeza já vieram ao festival (pra mim, isso não passava de boatos). Minha mãe fazia tortas de maçã, uma receita que passava de geração em geração, a qual tinha um ingrediente secreto: suco de trigo fermentado. Era uma mistura de água, trigo, açúcar e arroz que era fermentada durante todo o ano e só retirada no dia do festival. Quando criança, chamava de "trigomel", porque se assemelhava muito com hidromel em tudo, menos o sabor. Puro tinha um gosto horrível de couro velho, mas nas tortas parecia que seres divinos as tinham preparado. Minha mãe vencia quase todo ano. Bons tempos...

Como dizia, aquele fatídico dia ainda era numa Primavera, muito longe da época do festival, e a vila estava tranquila. Minha mãe já tinha saído para cuidar do pomar, junto com as outras mulheres da vila, enquanto os homens cuidavam dos campos de trigo. Eu, como um homem adulto, deveria ter ido aos campos também, mas fiquei em casa para receber as sacas de arroz que chegariam naquele dia, como toda estação. Após uma espera que levou quase toda a manhã, a carroça de Taborcor chegou. Taborcor era nossa cidade vizinha, cultivadora de arroz e milho. Minha mãe se recusava a comprar arroz que não fosse de lá para fazer o "trigomel" para as tortas do festival. Depois de receber as sacas, percebi que já era hora que os trabalhadores voltariam para se alimentar, então arrumei a mesa com pão, cordeiro e um delicioso suco de maçã para receber minha mãe. Foi então que conheci o safado canino! Embora adorado pelas crianças, já era conhecido por suas traquinagens e roubos de comida. Sempre ficava atento com suas aproximações, mas, neste dia, ele conseguiu entrar em casa e se esconder (acredito que enquanto eu guardava as sacas de arroz). Com a mesma agilidade que uma raposa ataca uma galinha, o sarnento atacou o cordeiro sobre a mesa, arrancando um bom pedaço do suculento assado. Corri para fora e gritei:

– MALDITO ANIMAL SARNENTO!!!

Já um pouco distante, Boldor parou, olhou para mim com a carne na boca e disse:

– Humano tolo!

Tá, ele não disse isso; cães não falam! Mas se falassem, tenho certeza de que ele teria dito isso. Nunca fiquei tão enfurecido em toda minha vida, então peguei uma foice e corri atrás do desgraçado, disposto a pôr um fim no maldito e usá-lo como adubo para os trigos. Boldor correu em volta da fonte central, me fazendo correr como idiota por certo tempo, como um gato caçando um camundongo. Me enfureci ainda mais quando percebi as crianças rindo da minha cara. Cego de raiva, parti para cima de Boldor como um leão, mas tropecei e cai, ralando todo meu braço e jogando a foice longe. Boldor, veio até mim, lambeu meu rosto e correu. Maldito animal! Novamente senti que zombava de mim e já não me importava coma carne que ele havia roubado; nem sabia se ainda estava com ele, só queria esfolar o desgraçado. Num instante, levantei, peguei a foice e corri atrás do sarnento, que já estava correndo em direção a floresta próxima da vila.

Perdi a noção do tempo caçando Boldor na floresta. O sol já estava começando a se por quando o encontrei parado, como uma estátua.

– Rá! Agora você não escapa! – Pensei

Cautelosamente me aproximei, mas Boldor me farejou. Pensei que ele correria se me visse, mas ele apenas olhou para mim, latiu e volto a olhar para o nada. Me aproximei, agora curioso e não tão enfurecido (embora ainda com raiva). Ele olhou novamente e fez um pequeno ruído, como se estivesse com medo ou assustado. Numa ação instintiva, me abaixei, segurei levemente em sua cabeça e fitei seus olhos, como fazia com os cordeiros da vila quando assustados.

– O que foi, garoto! – Disse.

Ele novamente fez aquele ruído choroso, enquanto eu percebia um brilho em seus olhos. Pensei ser o reflexo das tochas que eram acendidas todas as noites nas ruas da vila, mas não; ela estava em chamas. Acho que minha raiva e determinação em pegar Boldor me tirou toda a atenção e, mesmo assim, não me perdoo por não ter ouvido nem visto nada antes. Corri em direção a ela, sendo guiado apenas pelo forte brilho alaranjado que vinha de lá. Pensava em minha mãe, nos trabalhadores, nas crianças que riam de mim mais cedo quando caçava Boldor; pensava que se não fosse por Boldor eu estaria ajudando meu povo; amaldiçoava o animal enquanto corria. Ao chegar, não pude usar a entrada principal, pois algumas árvores tinham sido derrubadas pelo fogo. Lembrei então que poderia entrar pela janela da pequena padaria; conhecia muito bem aquele lugar, já que levava o trigo até sua dispensa às vezes; seria fácil entrar, chegar até a fonte e usar a água para tentar apagar o fogo. Nunca tinha enfrentado tal situação, na verdade, minha única aventura foi caçar Boldor. Ao entrar pela janela da padaria, me deparei com um inimigo tão perigoso quanto o fogo: a fumaça. A irritação em meus olhos e a tosse constante, que quase me fez vomitar, não me deixavam prosseguir. Não conseguia me guiar até a porta da e creio que por muito tempo fiquei rodando como um pássaro desesperado numa gaiola. O calor também era insuportável, mas, com muito esforço, consegui sair e ver a fonte afinal. Tentei gritar por alguém, mas minha garganta estava machucada pela forte e praticamente constante tosse e pela fumaça. Nesse momento, depois de não ter dado nem cinco passos fora da padaria, minha visão escureceu. Desmaiei.

Mais tarde, ainda tossindo e atordoado, acordei do lado de fora da vila. Estava muito escuro e o fogo já a tinha consumido. Somente cinzas e pequenas brasas eram visíveis dali. Boldor estava deitado ao meu lado, olhando para o pouco que restara em pé. Ainda amaldiçoava o animal; ainda o culpava pelo ocorrido! No entanto... não podia deixar de pensar que talvez o sarnento ladrão de cordeiro tenha me tirado de lá. Talvez ele tenha me arrastado pela parte quebrada do muro, que por sinal me voluntariei para arrumar há semanas e havia me esquecido. Será que aquele ladrãozinho sarnento tinha me... salvado?

Dias depois, batizei-o de Boldor, em memória de meu pai. Sei que é estranho dar nome de pessoas a animais, mas mamãe sempre dizia que papai tinha morrido por uma causa nobre. Se Boldor me salvou mesmo, ele poderia ter morrido tentando me salvar; tentando salvar quem queria mata-lo por um mísero pedaço de cordeiro. Agora, sempre que olho para ele lembro que meu pai foi um homem honrado... Obrigado Boldor.

Já é tarde. Escrever sobre esse dia me entristeceu um pouco. Melhor por mais gravetos na fogueira e tentar dormir novamente.

...


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